quarta-feira, 6 de julho de 2011

CHI SAO/LAP SAO NÃO TE PREPARA PARA A LUTA. Aprenda a usar melhor essas ferramentas sem as superestimar.

PRÓLOGO

Estava lembrando dos parceiros mais habilidosos na prática do Chi Sao por essas bandas antes começar a as chatissimas (de se botar no papel) nuances técnicas do Chi Sao e Lap Sao. Vira e mexe algum mestre me escreve falando de como descobriu algo e fascinante durante a prática. Não duvido. O Chi Sao especificamente é um exercício que qualquer pessoa deveria fazer alguns minutos por dia, talvez no lugar de palavras cruzadas ou das iguamente chatissímas meditações sentadas de todas as variantes do budismo.

Isso porque o Chi Sao é de fato um exercício mental elaboradíssimo e que é surpreendentemente divertido depois que você domina as posições básicas, e que - se não tivesse função técnica alguma dentro do sistema Wing Chun - poderia ser praticado apenas por sua capacidade de manter a mente focada no jogo de tocar o outro e não ser tocado, onde quem "bate" no outro sem machucá-lo está no ápice do poder marcial, a humilhação suprema da técnica que se afirma na superação silenciosa do parceiro, quando a discrepância no nível de habilidade é grande. Entre estes dois objetivos, armadilhas, truques diversos, posições são alternadas numa brincadeira que tem regras e posições que de forma lúdica fazem com que a maneira mais eficiente de vencer essa "luta" seja uma a mistura de atenção, logro, paciencia e objetividade, dentro dos princípios da luta: linhas retas de ataque, cobertura de áreas desprotegidas, uso das cunhas triangulares para a defesa e ataque simultâneos etc.

Mas eu falava de meus amigos e parceiros de treino. Tenho muitos irmãos kung fu, mas eu tinha dois parceiros de Chi Sao - Lap Sao muito bons: O Nelson Santana, que foi a São Paulo, tornou-se campeão brasileiro de kung fu e hoje treina Jiu-Jitsu e boxe em São Paulo nas horas vagas, e o Alex Crispim, ex-campeão baiano peso-pesado de kung fu, que depois de nocautear o campeão sulamericano de Kickboxe com um Din Choi achou que podia podia fazer melhor se realmente fosse tentar fazer isso com os golpes certos... mas o caso é que o único cara realmente bom no Brasil que conheço é o Marcelo Florentino, o aluno mais velho de meu Sifu Li Hon Ki e que tem uma grande escola em São Paulo...e o cara está a dois mil kilômetros de distância, e vai me fazer pegar uma promoção dessas tipo ponte área RJ-SP 50 reais a passagem - via Boa Vista, São Luís e Natal para poder treinar em alto nível novamente.

Eu não estava vendo nada senão contar vantagem no parágrafo acima às custas das habilidades e feitos de meus amigos, mas isso me fez lembrar de algo muito importante que vai nos fazer entrar no assunto de uma vez. Caras como os que citei, bons de briga, todos são bons no Chi Sao/Lap Sao, mas nem sempre o contrário é verdadeiro, existem muitos caras bons de Chi Sao que nunca serão bons em luta de verdade, pelo menos não até praticarem outra coisa para fazê-los ir bem no cambate. Isso porque quem é bom no combate real também o é no simbólico, mas quem só tem experiência em mimetizar o combate não faz idéia da dificuldade que é quando não existem regras e posições pré-estabelecidas, nem o quanto de sangue frio é preciso para recuperar o controle emocional enquanto o outro cara te amassa sem piedade.

ANTES DE GRUDAR OS BRAÇOS

A primeira coisa que o praticante deve ter em mente antes de fazer coisa em Wing Chun é se perguntar: - Por que estou fazendo isso? Qual o objetivo deste exercício (base, forma, soco, chute etc.). Isso porque o Wing Chun é a luta dos mestres super sábios que te mandam fazer as coisas sem maiores explicações, e um dia algum insight divino, tal qual Bruce Leroy em The Last Dragon, vai baixar e você irá descobrir o grande Mestre. Aqui no Brasil há uma briga para saber quem é o melhor. O termômetro é número de revistas, livros e entrevistas cedidas á televisão. E se você tiver de usar o que aprendeu, você pergunte a seu adversário, olha você sabe quem é o meu mestre?

Chi Sao e Lap Sao são ferramentas que desenvolvem habilidades específicas. No Chi Sao (Colar os Braços) você precisa de um pré-requisito que é o contato com o adversário braço no braço (ou perna na perna, no caso do Chi Gerk). Da mesma forma que você pode fazer um "rola" de Jiu-jitsu com os olhos vendados, o mesmo vale para o Chi Sao no Wing Chun. No Lap Sao, você tenta sair de uma situação de contato que não te permite golpear o adversário para tirar, puxar, imobilizar o(s) braço(s) para pelo menos uma das mãos fique solta em boas condições para fazer um golpe válido ou preparar um golpe de perna ou varredura.

Mas há um problema aí. No Chi Sao, as posições são combinadas. As defesas funcionam bem com golpes de Wing Chun à curta distãncia, mas é inocente e pueril imaginar que elas funcionarão exatamente da mesma forma contra golpes de outras artes marciais - já que o Wing Chun é uma arte com soco e chutes e defesas muito peculiares - e ainda mais sem aquele contato inicial que facilita tanto a vida da gente. O Bong Sao, por exemplo, pode parar um soco em curso numa distância curta contra o soco vertical do Wing Chun, mas é totalmente ineficiente num soco horizontal se feito da forma clássica.

O Lap Sao (Puxar Braços) é o chinês para um termo sofisticadissimo, sempre super badalado entre os jeet-kunzeiros, chamado "Trapping Hands", que seria algo como "fazer armadilhas com as mãos" "mãos em armadilha" etc. Eu traduziria para o pejorativo "truques com as mãos" porque você vendo os caras fazerem isso tudo parece muito bonito, como quando a gente vê alguém fazendo malabarismos com cartas. Lap Sao é uma boa ferramenta quando está difícil passar a guarda do adversário, então podemos afastar um pouco o braço e bater no espaço artificialmente criado, mas achar que você vai "amarrar" os braços do oponente como se dá um nó nos próprios cadarços é coisa de quem vê filmes e faz Chi Sao em demasia. Entretanto, não custa nada ter dois ou três combinações no seu repertório, porque em tese você conta com a ignorância de seu oponente. Neste caso, o problema, além daqueles mesmo já encontrados no Chi Sao, é que se você demora demais segurando o braço do cidadão (isso SE você conseguir segurar no calor do combate) ele terá exatamente a mesma chance de bater que você tem, porque tanto você quanto seu oponente terão um braço colado e o outro solto, e que vença o melhor.

As situações estilizadas encontradas no Chi Sao/Lap Sao não tornam ninguém bom em luta especificamente. Mas então para que servem os exercícios? Será o caso de abandoná-los? Não, certamente a solução passa longe disso.

Continua...

3 comentários:

Ip Man Wing Chun Kuen disse...

Muito bom este artigo. Com uma linguagem quase coloquial. Mestre Marcos fala com a desenvoltura de quem de fato, vive o que ensina. Mas uma vez, meus parabéns irmão.

Unknown disse...

Caro SiFu Augusto,

Estou sentindo falta dos seus textos nas comunidades orkut. A propósito, assisti com bastante interesse o trabalho de divulgação em DVD bancas de Mestre Marcio (discípulo de mesmo mestre que SiFu Augusto)sobre o Ip Man Wing Chun, depois que um leitor me trouxe os DVD aqui em casa, insistindo para que eu os visse e comentasse.

Eu estou muito ansioso com minha próxima ida a São Paulo para tentar um tempo nos intervalos dos treinos e conhecer pessoalmente o trabalho de vocês (incluindo aí SiFu Nilson que respeito muito).

Receber elogios de um Mestre que têm muitos mais anos de estrada e bagagem me orgulha e estimula. Forte abraço.

Didowingchun2 disse...

Muito bacana sifu,texto ta muito conciso,didático e sem firulas!!Parabéns e thanks por compartilhar um pouco mais de seus conhecimentos!!Abs!

Destrinchando o Muk Yam Jong, o boneco de madeira do Wing Chun, em uma análise de caso. Parte II

Pois é, assim como o personagem do game Tekken, Mukujin ( 木人) lit. Pessoa de Madeira, Uma corruptela de seu alter ego, Muk Yan Jong ( 木人...